Desprender Para ‘Viver’

O desprendimento constitui a última atitude ressaltada por Jon Kabat-Zin na prática do mindfulness. Ele refere-se uma história interessante ao falar deste conceito; narra que  existe uma armadilha usada na Índia para capturar macacos. A armadilha é feita com um coco onde se fura dois buracos, um para prender o coco a uma árvore e o outro, na extremidade oposta, para se introduzir uma banana. O macaco então coloca sua mão no buraco para pegar a banana, porém, ao segurar a banana ele não consegue retirar sua mão do coco. A mão não passa pelo buraco enquanto ele segura a banana. Ao invés de soltar a banana e retirar a mão, o macaco luta em vão para escapar e acaba sendo aprisionado.

 Algo semelhante ocorre em nossas vidas, como também em nossa prática de mindfulness. Assim como o macaco, perseguimos o que achamos nos fará felizes (comer a banana) e evitamos o que achamos que nos fará infelizes (perder a banana). Igualmente, tendemos a nos apegar ao aspecto bom de nossas experiências e evitar os  aspectos ruins. Logo, quando estamos vivendo uma experiência positiva não queremos que ela termine, e acabamos sofrendo, muitas vezes por antecipação, quando isso acontece. Por exemplo, recentemente eu passei uma semana de férias numa praia muito bonita. Eu me identifico muito com o mar e aproveito qualquer oportunidade possível para curtir essa beleza magnífica. No meado da minha semana de férias, eu já estava pensando, com um aperto no coração, sobre o momento da partida, sofrendo antecipadamente. Através do mindfulness mudamos esta perspectiva – assim; porque não curtir cada momento e quando chegar a hora da partida, ao invés de ignorar a tristeza ou o sentimento desagradável, estar também presente  para estes momentos, explorando metodicamente o que está se passando em nossos corpos, através das sensações, assim como em nossas mentes, através dos pensamentos?

É fácil observarmos esse  apego ao agradável, e alternativamente, a aversão ao desagradável. Essa luta emocional interna nos causa muitos transtornos. De uma certa forma, o processo de evitar o desagradável causa também um apego ao problema, pois ruminamos incessantemente, não conseguindo parar de pensar no problema ou na situação desagradável. Susan Kaiser Greenland, no seu livro Mindful Games (2016), faz uma analogia com a banana metafórica (da história acima) em nossas vidas. Ela explica como, ao sofrermos, normalmente ignoramos inteiramente  a dor ou consideramo-la sob todos os ângulos possíveis. Reitera que o problema destas duas maneiras de abordar uma situação difícil consiste no seguinte: quando ignoramos nosso sofrimento ou ruminamos sobre a questão indefinidamente, nosso desconforto comumente se intensifica. Susan elucida também que podemos sair deste condicionamento tão comum ao nos relacionarmos com o sofrimento de uma maneira diversa, optando em vivenciá-lo, ao invés de varrê-lo para debaixo do tapete ou analisá-lo incessantemente (p. 44). Portanto, a prática do desapego consiste em observarmos o que está se passando sem nos apegarmos a quaisquer experiências, sejam elas positivas ou negativas.

Traduzindo isto para nossa prática meditativa diária, vale notar que quando estamos experimentando um estado de calma e êxtase, nos sentimos tão bem que nos apegamos a este estado, não querendo que chegue ao fim. Este apego pode até causar uma certa tensão corporal e mental. Por outro lado, quando sentimos algum desconforto físico ou mental, como uma dor na perna ou um sentimento intenso no peito, queremos que isso desapareça, muitas vezes interrompendo a nossa prática meditativa e concluindo-a prematuramente para evitar a exploração de uma sensação ou situação desagradável que estamos vivenciando naquele momento.  

  Assim podemos concluir que esta mudança de perspectiva aliada à nossa certeza de que nada é permanente, contribui para a entendimento que não vale a pena vivermos constantemente tentando segurar ou empurrar, com todas as nossas forças, algo que vai passar. Isso nos faz desperdiçar muita energia num processo que nos rouba a oportunidade de realmente vivermos.

Fonte da Imagem: Максим Степаненко (Unsplash)