Aceitação
A aceitação, outra atitude a ser cultivada ao praticar mindfulness, consiste em ver as coisas como realmente se apresentam neste momento. Nem sempre as coisas se apresentam como gostaríamos, porém evitá-las não resolve a questão.
Existe uma parábola budista que conta a história de uma pessoa que foi atingida por uma flecha, que representa os problemas, as dores e as vicissitudes que todos passamos na vida. Porém, logo após ser atingida pela primeira flecha, essa pessoa é atingida por uma segunda flecha, que causa ainda mais dor, pois esta segunda flecha representa a falta de aceitação, a resistência e a luta.
A aceitação como descrevemos no mindfulness, significa ver a coisas como realmente são, e não como gostaríamos que fossem. Normalmente abrimos os braços para o que nos é agradável e nos traz prazer, e empurramos aquilo que nos é desagradável. Vale ressaltar que nosso objetivo no mindfulness consiste em não evitar o momento presente, mesmo quando ele é desagradável e doloroso; vamos encará-lo como realmente se apresenta.
Algumas pessoas interpretam erroneamente esse conceito de aceitação. Acham que isso significa não fazer nada para mudar a situação e simplesmente aceitá-la como é. Isso seria resignação. A ideia não é realmente assim: aceitamos o momento presente pois ele já está aqui agora. Não faz sentido armar uma resistência enorme porque além de desperdiçarmos muita energia neste propósito, estaríamos nos infligindo ainda mais sofrimento através da introdução da segunda flecha. A flecha que consiste na ruminação mental em que a pessoa se entristece, sofre, lamenta, bate no peito, fica perturbada.
Assim, só ao aceitarmos o momento presente tal qual ele se apresenta é que poderemos tomar atitudes, com clareza, para lidar com ele, como se faz necessário. A clareza, entretanto, vem de uma sabedoria interior que cultivamos ao enfrentar a realidade sem fugirmos, sem colocarmos a sujeira debaixo do tapete. Em certas ocasiões, aceitar o momento tal qual se apresenta significa termos que assumir o fato que erramos. Aí é importantíssimo encarar o erro, e aceitá-lo como uma experiência de aprendizagem e não como um motivo de abrigarmos sentimentos negativos direcionados a nós mesmos. A autocompaixão é essencial neste caso.
No livro Compaixão Consciente (Mindful Compassion), os autores Paul Gilbert e Choden falam que “um outro aspecto importante da empatia [no processo de aceitação do momento presente] é a nossa curiosidade autêntica sobre os detalhes de nossa experiência, para que possamos aprender e chegar a uma compreensão sábia sobre a experiência. Precisamos estar dispostos a investigar o que está acontecendo dentro de nós, ao invés de supor que sabemos o que estamos experimentando e simplesmente reagir automaticamente.” Por exemplo, vamos dizer que estamos vivendo um momento de ansiedade, por qualquer motivo. Nossa reação inicial é tentar nos livrar da sensação desagradável através de vários subterfúgios, como remédios, o sono, uma distração qualquer como um filme ou telenovela, etc. Mas é exatamente nesse momento que precisamos nos abrir para nossa experiência e aceitar que a ansiedade está presente, pois só assim poderemos trabalhar com ela. Isso significa entrar em sintonia com o que estamos sentindo, seja fisicamente e/ou emocionalmente. A partir deste processo de aceitação, podemos então focalizar a respiração para acalmarmos nossa mente e amenizarmos determinadas sensações desagradáveis em nosso corpo. Tudo isso é feito através da presença e não da fuga.
Assim, a “aceitação é o processo de nos abrirmos e não lutarmos contra a nossa experiência de momento a momento... através desta prática, começamos a habitar o mundo da observância do que se passa em nossas mentes, do que molda nossa realidade. Constatamos que o que vivenciamos muda de momento a momento, e que essas mudanças não definem quem realmente somos.” (Gilbert e Choden, Mindful Compassion , 2014)
Fonte da Imagem: Rui Silvestre (Unsplash)