Cuide-se

Às vezes acordamos pela manhã com uma sensação sutil de ansiedade, que parece vir do nada e que pode se manter conosco de forma quase que permanente. Em mim esta sensação de ansiedade é comumente sentida no abdômen, onde percebo uma constante agitação como borboletas voando no estômago acompanhada também de uma impressão de constrição em torno de algo como uma pedra enorme dentro da barriga ou às vezes na região do peito. Hoje em dia, como estou mais afinada com meu corpo, aceito mais humildemente que isto faz parte da condição humana e que ao invés de fugir ou mascarar esta ansiedade com distrações variadas, eu me aproximo dela e muitas vezes até percebo que determinadas sensações, tidas como negativas, melhoram ou até se dissipam totalmente com a devida atenção plena. Percebo quando certos sintomas começam a vir à tona eu não tento esconder a sujeira embaixo do tapete, mas tomo providências pessoais para lidar com o que está se passando, normalmente abrindo espaço interior para perceber com franqueza, curiosidade e compaixão o espectro total daquele momento. Porém, em outros tempos, eu simplesmente me comportava como um bom soldado, aquele que suporta tudo e continua sempre lutando, fingindo que está tudo bem, reprimindo ou escondendo a verdade. Porém, eu não me dava conta que, com tal atitude, eu apenas sobrevivia e me causava cada vez mais sofrimento. Estava constantemente num processo de automatização e inconscientemente provocando a minha descida à uma caverna escura, difícil de escapar.  Aquele joie de vivre, que os franceses nomeiam tão bem, não existia. A vida parecia abafada, sem brilho; eu simplesmente fazia as coisas por fazer, de forma automatizada. As responsabilidades do trabalho e da família consumiam meu tempo e toda a minha energia, e o que sobrava era uma pessoa sem o brilho nos olhos, que não achava mais graça em nada.  

Numa das minhas visitas à médica para lidar com problemas como dores de cabeça, insônia e depressão, ela me perguntou o que fazia para mim mesma, algo que me trouxesse bem-estar. Minha resposta foi tão enfática quanto sarcástica: “A que hora devo me dedicar a algo para mim? Entre meia-noite e cinco da manhã?” Meu prato estava cheio, e a médica estava sugerindo que introduzisse mais alguma coisa na minha agenda já tão repleta? Aquilo parecia loucura. No entanto, ela insistiu que eu encontrasse pelo menos trinta minutos por dia para fazer algo inteiramente para mim.

Numa ilusão cega eu descartei aquela sugestão que mais me parecia louca do que plausível. Adicionando uma nota cômica à situação, ao chegar em casa naquele dia da conversa com a médica, eu mencionei durante o jantar sobre a pergunta que me havia sido proposta a respeito do que eu fazia para mim mesma. Ao que, um dos meus filhos, com nove anos na época, prontamente respondeu: “Mamãe, eu sei o que você faz para você mesma... as compras de supermercado!” “Que M@#$%,” eu pensei naquele momento.

Como somos cegos para nossos condicionamentos? Fui criada dentro de uma concepção, talvez de origem cristã, erroneamente interpretada, onde o sacrifício pelo bem-estar alheio é de crucial importância, talvez até mais importante do que bem-estar pessoal. Assim, sem perceber, estava presa a conceitos inconscientemente enraizados em meu ser, que não me serviam. Dentro da minha concepção pessoal, eu estava agindo corretamente ao sacrificar o meu bem-estar a ponto de ficar doente em prol do rendimento no trabalho, do bem-estar da minha família e de outros ao meu redor. Não tinha sequer trinta minutos por dia para me dedicar a algo inteiramente para mim, vivia como uma serva de minha lista de afazeres, ignorando a mensagem que meu corpo me transmitia.

Quando parecia ter chegado no fundo do poço e não havia mais o que fazer senão algo radicalmente diferente, resolvi então direcionar minha energia para sair da caverna escura onde me encontrava. Ao aprender sobre o mindfulness como forma de vida, comecei a perceber que determinadas expectativas que eu me impunha a mim mesma não eram nada mais do que meus próprios fantasmas inconscientes. Com as práticas que aprendia, comecei a me afinar mais com meu organismo físico e com minhas emoções, da forma como estas emoções eram refletidas em sensações no meu corpo ou vice-versa, algo que anteriormente eu não percebia ou ignorava. Aos poucos fui cuidando de mim e promovendo o meu próprio bem-estar. Consegui criar momentos de silêncio e refazimento, quando o meu corpo e minha mente se entregavam ao momento presente e não às preocupações intermináveis do dia a dia ou àquelas repetições intermináveis de pensamentos que não nos permitem um momento sequer de quietude e relaxamento (mesmo que isto acontecesse por poucos momentos). Tornei-me mais aberta às minhas necessidades pessoais, mais feliz comigo mesma, mais presente no meu trabalho e perante às demandas da minha família, comecei a aprender a dizer não sem me afetar negativamente com sentimentos de culpa.

É interessante lembrar como nos aviões recebemos a instrução de primeiro colocarmos a nossa máscara de oxigênio antes de ajudarmos as crianças ou outros que precisam de nossa ajuda. Pois é, primeiro precisamos cuidar de nós mesmos, precisamos estar bem, física, mental e emocionalmente, para depois então nos propormos a lidar com os que estão à nossa volta. Não quero insinuar em momento algum que o sacrifício pessoal visando o bem-estar alheio não tem seu lugar na dinâmica de nossas vidas. Quero dizer sim que não podemos e nem devemos nos ignorar neste processo de dedicação ao nosso próximo. Existe um meio termo delicado que devemos cuidadosamente explorar, com abertura na mente e no coração.

Assim deixo como moral dessa história: Cuide bem de você para poder se abrir para a vida, para o mundo, e para os outros.

Miranda Murphy