Meditação a Andar
Anos atrás, durante o meu primeiro retiro de silêncio de mindfulness, descobri rapidamente a importância do movimento depois de cada hora que passava sentada em meditação, principalmente depois do terceiro dia do retiro, quando parecia que ‘meu corpo todo doía’. Ainda bem que, com o bom senso adquirido pelos praticantes de meditação de eras passadas, ficou claro que a prática da meditação a andar oferece uma ótima alternativa para mantermos nosso processo meditativo sem precisarmos estar sentados o tempo todo. Desta forma, é comum durante retiros de mindfulness intercalar cada sessão de meditação sentada com caminhadas meditativas ou outras práticas de movimentos que favorecem o desenvolvimento da consciência corporal (Qi Gong, Tai Chi, exercícios conscientes etc.).
A meditação a andar inclui trazer atenção a uma atividade que normalmente fazemos distraidamente. Usualmente andamos perdidos em pensamentos, sem darmos a menor atenção ao movimento do corpo, à nossa respiração, ao nosso batimento cardíaco etc. Assim, a primeira vez que alguém me ensinou como caminhar trazendo atenção a este processo, logo percebi o valor desta atividade.
Como funciona a meditação a andar? Usualmente esta meditação pode ser feita ao caminharmos num ritmo regular ou num ritmo bem mais devagar do que o que normalmente usamos. Isto não quer dizer que não podemos andar rapidamente ao manter nossa atenção ao movimento; porém, para prestarmos atenção às minúcias de cada movimento e às respectivas sensações é mais fácil fazê-lo ao diminuirmos a marcha. A meditação a andar pode ser feita com os olhos abertos ou fechados, desde que estejamos num lugar seguro. A princípio, particularmente quando em retiro, caminha-se bem lentamente, colocando um pé no chão à medida que se levanta o outro pé. Este tipo de meditação é feito num local onde outras pessoas estão engajadas no mesmo exercício ou pelo menos sabem o que estamos fazendo, senão corremos o risco de sermos taxados como malucos. A caminhada é feita numa distância pequena, como uns 8 a 10 metros. Caminhamos bem lentamente este pequeno trajeto, trazendo atenção às sensações de cada movimento enquanto levantamos, movemos e colocamos cada pé no chão. Você pode, da mesma maneira que observa a respiração ou o movimento do abdômen durante a meditação sentada, notar estes movimentos repetindo mentalmente as palavras levantando, movendo, pisando durante cada movimento. Algumas pessoas preferem não repetir silenciosamente estas palavras pois sentem que podem se tornar um objeto de distração, fragmentando a atenção canalizada a cada movimento. Sugiro experimentar e ver o que funciona melhor para você. Para outros, esta repetição cria um foco e evita distrações. Eu particularmente prefiro começar com atenção às palavras e aos movimentos, mas depois de algum tempo, quando sinto que já entrei num ritmo adequado, prefiro conectar-me com as sensações à medida que ocorrem, evitando repetir mentalmente os termos levantando, movendo, pisando. Vale observar que sentir a sensações em determinada parte do corpo não é o mesmo que uma descrição oral, através de pensamentos que articulam o que se passa. Mergulhe em seu corpo e sinta realmente o que está se passando a cada momento, e não se preocupe em descrições mentais. Em outras palavras: sinta e não descreva mentalmente!
Além da sensação dos pés, podemos também focalizar na sensação das pernas, dos braços, do corpo como um todo, do movimento respiratório, do batimento cardíaco, dos sentidos. O importante é focalizar a atenção em determinada sensação. Pessoalmente, gosto de trazer a atenção aos pés, pois acho que isso realmente me ajuda a “sentir” o processo, principalmente quando posso caminhar descalça.
Ao manter os olhos fechados, é mais fácil nos conectarmos com os detalhes de cada sensação, porém se isto causa desequilíbrio, então deve-se caminhar com os olhos abertos. Normalmente, em minha prática pessoal, tento manter os olhos fechados o máximo possível, abrindo-os quando necessário. Porém, quando opto em abrir os olhos, mantenho o meu foco para baixo, evitando distrações causadas pelo visual do ambiente onde me encontro.
No final de cada percurso numa direção, normalmente para-se por uns instantes antes de virar e recomeçar a caminhada. Neste momento, sinta as sensações de diferentes partes do corpo e depois então revolva lentamente antes de recomeçar a caminhada na direção oposta. E como sempre, durante este processo, assim que notamos que estamos distraídos por um pensamento, reconhecemos este fato (sem julgamentos!), e retornamos nossa atenção para os movimentos físicos e suas sensações.
É possível também meditarmos enquanto caminhamos normalmente em nosso dia a dia. Ao andarmos, trazemos nossa atenção aos pés ou quaisquer outras partes e movimentos corporais, às sensações que experimentamos. Por razões óbvias, mantemos um ritmo adequado à situação e os olhos abertos. Assim, podemos também prestar atenção ao nosso quadro visual à medida que este vem em nossa direção.
Vale ressaltar que o que adquirimos (insight, foco, calma, e muito mais) enquanto sentados na almofada de meditação tem mais significado e valor quando se espalha em nossas atividades cotidianas. Assim o hábito de meditarmos ao caminhar só adicionará à nossa prática contemplativa e ao nosso processo de crescimento interior.