Confiança – Outro Aspecto Importante na Jornada do Mindfulness

Tenho escrito sobre atitudes essenciais, tais como apresentadas por Jon Kabat-Zin, para o cultivo da prática da atenção plena. A confiança é uma destas atitudes. Vivemos numa época em que a ciência, e às vezes, a pseudociência domina a mentalidade moderna de como devemos ser e viver. Fazemos tal e tal coisa porque um tal estudo de Harvard mostrou sua eficácia. Comemos ou bebemos tal alimento porque foi cientificamente comprovado que não podemos viver sem ele. Determinada forma de exercício físico é comprovadamente superior à outra. E assim por diante.

  É interessante ressaltar que outros fatores, que muitas vezes não levamos em conta, deveriam fazer parte de nossa análise crítica ao decidirmos por determinadas opções. Entretanto, por falta de tempo, ou interesse em nos aprofundarmos mais, ou porque somos facilmente levados pela massa crítica, pela mídia, pelas opiniões expressadas no Facebook, somos diariamente bombardeados por informações que moldam o nosso dia-a-dia, e comumente optamos em seguir padrões que não condizem com o nosso verdadeiro bem estar físico, mental, emocional ou espiritual. Não nos afinamos com as mensagens que recebemos do nosso íntimo mais profundo, de nossas intuições, de nosso corpo, de sensações ligadas às emoções.

Não precisamos procurar muito para encontrarmos estudos científicos mal realizados que são publicados por cientistas competindo para manterem seus fundos de pesquisas, ou que são falsamente espalhados pela mídia tão insaciável por audiência ou por companhias que têm apenas interesses financeiros. Vale também lembrar de tantos estudos científicos que já foram ou que serão ainda ultrapassados por outras descobertas mais exatas e aprofundadas. E o viés inconsciente que toca a cada um de nós?

Hoje em dia, termos como: orgânico, sem glúten, antioxidante,  natural,  são facilmente utilizados por departamentos de marketing para aumentar as vendas. E nós, os consumidores que no decorrer das últimas décadas fomos  levados a crer que devemos confiar cegamente em todo e qualquer resultado científico, muitas vezes sem muito embasamento, nos tornamos presas de um sistema que criou esta realidade tão perturbadora. De modo algum estou aqui sugerindo que a ciência não merece ser confiada. Absolutamente que não, mas quando foi que perdemos nossa habilidade de confiar em nossa intuição, nas mensagens claramente enviadas pelo nosso corpo, e em nosso senso crítico?

  A todo instante recebemos mensagens de nosso corpo físico e/ou emocional, que normalmente são relevadas a segundo plano, porque damos mais importância aos nossos pensamentos que na maioria das vezes são reflexos das mensagens que recebemos de fontes exteriores. O nosso corpo é tão perfeito e contém muita sabedoria, por que então não confiarmos em suas mensagens?

Quem não se lembra por exemplo do famoso Efeito Mozart? Quando os meus filhos eram crianças, nos anos 90, CDs com músicas clássicas para crianças eram vendidos com mensagens claras que as fariam mais inteligentes. Em 1993,  Rauscher et al publicaram um estudo em que mostraram que jovens universitários ao ouvirem dez minutos de uma peça musical de Mozart, mostravam um aumento na capacidade de inteligência espacial durante um total de 15 minutos. Não demorou muito para que a mídia, pessoas e companhias deturpassem os resultados da pesquisa acima, para  satisfazerem interesses pessoais e/ou financeiros. Em 1997, Don Campbell escreveu o livro O Efeito Mozart, onde ele propôs que determinadas músicas de Mozart aumentavam a inteligência. Interessante observar que uma determinada marca registrada nos EUA começou a vender produtos para estimular a inteligência de crianças e bebês (dentro e fora do útero) baseados no Efeito Mozart. O dono desta marca? Don Campbell Inc.!!!

Quantas vezes ignoramos a voz de nosso corpo físico ao nos deliciarmos em guloseimas que mais tarde nos trarão mal estar físico?  Aí então apenas decidimos mascarar os sintomas com remédios ou chás. Ou quando nos convencemos de que para meditarmos de verdade precisamos nos sentar no chão em posição de lótus ou semi-lótus, o que para muitas pessoas, principalmente no Oeste, é simplesmente um exercício em forçar o corpo a fazer algo que contraria suas habilidades corporais, trazendo problemas futuros nos joelhos ou danos permanentes em determinados nervos. Se o seu corpo está lhe enviando uma mensagem clara que algo está errado, por que então não confiar nele ao invés de mensagens mentais que normalmente são altamente influenciáveis por condicionamentos variados vividos no decorrer da vida? A nossa respiração é um mecanismo altamente requintado de biofeedback, por que não confiarmos nesta sabedoria? A respiração abre espaço, aterra, acalma.

Confiemos  na voz profunda de nosso ser ao invés de sermos levados pela maré das opiniões alheias, da mídia, ou de um expert.  Mas como ouvir esta voz profunda? Ao pararmos para meditar, respirarmos livremente, observarmos calmamente  o que está se passando em cada momento, sem darmos ouvido à voz de julgamento, aos impulsos dos pensamentos incessantes.  O filósofo Zen, Alan Watts, disse uma vez: “Não importa quantas vezes você fala a palavra água, a palavra nunca será molhada.” Precisamos vivenciar e para tal precisamos confiar.

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