Respiração como Âncora
Um dos comentários que eu mais escuto no círculo de pessoas dedicadas ao mindfulness, principalmente do meu professor de meditação, relaciona-se à importância da prática. Sem a prática, o novato nunca se tornará um expert. Sem a prática o nosso contato com a atenção plena ficará meramente no nível cognitivo passivo, não nos trazendo nenhum benefício, a não ser a possibilidade de mantermos uma conversa num meio social quando o assunto vier à tona. Para realmente compreendermos o que é a atenção plena, temos que a senti-la profundamente em nosso ser. Para isso a prática é fundamentalmente indispensável. A prática mais comum, principalmente quando começamos a explorar este território, é a conexão com a respiração. Não temos o hábito de prestarmos atenção à respiração, a não ser que haja algum problema com ela; fora isto a respiração é um processo autônomo que dura a nossa vida inteira, governada pela parte mais primordial de nosso cérebro, porém totalmente relegada ao segundo plano. Por que então não fazer uso deste instrumento tão essencial à nossa sobrevivência e que exerce tanto controle em nosso estado de espírito?
É fácil perceber que a nossa respiração varia de acordo com o nosso estado emocional. Se estamos relaxados, sem qualquer ameaça à nossa sobrevivência física ou ao nosso bem-estar emocional, o nosso batimento cardíaco se encontra normalizado, e a respiração tende a ser mais profunda e mais vagarosa. Ao contrário do que acontece quando, por quaisquer motivos, nos sentimos ameaçados, seja física ou emocionalmente; ou mesmo quando estamos excitados por qualquer razão, seja esta positiva ou negativa. Neste caso, a respiração tende a ser rasa e muito mais agitada, acompanhada de um batimento cardíaco mais rápido e talvez até descompassado também. Isso acontece por razões puramente fisiológicas, o que exploraremos futuramente em outra postagem. Por agora vamos simplesmente nos concentrar na prática da atenção plena ancorada na respiração.
Esta prática poderá ser feita formalmente ou informalmente. Esclarecendo que uma prática formal constitui em destinarmos algum tempo por dia para nos dedicarmos formalmente à prática da meditação mindfulness. Por outro lado, quando se fala em praticar informalmente, isto é feito à medida que vivemos o nosso dia a dia, nas mais variadas atividades que experienciamos no decorrer de nossa vida.
Primeiramente vamos explorar esta prática de maneira formal. A atenção plena ancorada à respiração pode ser feita em várias posições; enquanto estamos de pé, caminhando, sentados ou deitados. Inicialmente, é mais aconselhável que a prática formal seja feita enquanto estamos sentados, pois de pé podemos nos cansar facilmente e deitados podemos dar um cochilo e consequentemente não estamos mais plenamente conscientes. Entretanto, se por alguma limitação física for preciso fazê-la enquanto deitados, não vamos deixar que isto seja um empecilho para começarmos este trabalho.
A maneira mais simples para você praticar formalmente, é sentar-se durante um tempo e num lugar onde não será interrompido por outras pessoas, assim como pelo telefone ou computador. É incrível como aquele bip nos distrai!
A postura é importante (refira-se à postagem Como e Onde Praticar para maiores detalhes). Durante o tempo em que você permanecer sentado em prática formal, de vez em quando faça uma rápida avaliação de sua postura e ajuste-a, se necessário.
A partir daí, tome a respiração como sua âncora, ou seja, a sua atenção ficará conectada à respiração onde esta for mais proeminente para você; seja abaixo de suas narinas, no movimento de seu peito ou no movimento do abdômen. Uma vez estabelecida a âncora, você então manterá sua atenção nela.
Rapidamente você notará que sua atenção irá vagar muito frequentemente, o que é totalmente normal. Não há necessidade de se exasperar com isto! Todas as vezes que você se apanhar numa viagem mental, ou seja, pensando em algo, simplesmente se dê conta que este é um momento em que você exercitou o mindfulness, você acordou para o momento presente. Se parabenize por isto e retorne sua atenção à respiração. Como analogia, pense num barco ancorado no mar, ele poderá vagar até onde a corrente se estender, quando então seu movimento será interrompido pela âncora, que o trará de volta. Assim somos nós em termos de nossa atenção. Utilizamos algo (a respiração neste caso) como nossa âncora, algo que interrompa nossa distração e nos traga de volta à base, ao momento presente. Serão inúmeras as nossas vagueações, no decorrer de nossas práticas; serão milhões de vezes que acordaremos para o fato de que estamos distantes do momento presente, distraídos em pensamentos variados. Não vale a pena se estressar sobre isto porque o estresse apenas adicionará mais frustração a uma situação que, devido ao nosso condicionamento presente, já é difícil. Resigne-se ao fato de que você vive num estado inerente de vagações mentais e retorne, sempre que acordar, para a sua respiração no momento presente.
Resumindo:
· Sente-se, utilizando uma posição digna, num local e momento onde não será interrompido
· Mantenha sua atenção na sua respiração, onde esta for mais ressaltada (abaixo das narinas, no movimento do peito ou do abdômen)
· Todas as vezes que sua atenção vagar e você se pegar pensando em algo, parabenize-se por ter ‘acordado’ para o momento presente e retorne sua atenção à respiração
· Continue este processo durante o tempo estabelecido para sua prática diária
Este é um conceito muito simples, porém nada fácil de ser vivenciado. Meu conselho é: Persista porque vale a pena!