Plena-Mente

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Não Lutar...Como Assim?

Uma das atitudes que considero das mais difíceis, dentre as sete atitudes grifadas por Jon Kabat-Zinn como sendo essenciais à prática de mindfulness, é a atitude do não esforço ou não “lutar”, ‘non-striving’ em inglês. Essa atitude também parece ir contra tudo que normalmente consideramos como essencial para atuarmos no mundo atual.

  A ideia do não esforço se resume em aceitar cada momento da maneira como se apresenta sem lutarmos para atingirmos determinada meta. Em nossa vida diária, estamos sempre demarcando objetivos a atingir, propósitos a cumprir, nos esforçando para obter os frutos de nossos esforços, sempre visando chegar a algum lugar ou desfrutar de algum resultado. Na meditação, a atitude é diferente; a ideia se resume em não lutar contra o que se passa, em simplesmente observar o momento presente, como ele se apresenta. Para a maioria de nós, o conceito do não esforço ou não lutar é extremamente estranho, pois estamos tão habituados a nos  ocuparmos constantemente, que só nos sentimos valorizados quando somos produtivos. O engraçado é que somos seres humanos e não fazeres humanos, mas nunca nos damos ao luxo de simplesmente sermos e não fazermos. Toda esta ocupação faz de nossa vida uma busca interminável, como um cão que persegue constantemente sua cauda e nunca a toca. Com o hábito de estarmos sempre ocupados, fazemos planos, temos objetivos, definimos metas a cumprir e nos dedicamos à nossa infindável lista de afazeres. Vivemos imaginando que quando atingirmos determinada meta, aí sim poderemos descansar ou parar ou mesmo só aí estaremos bem ou felizes. Entretanto sabemos que não é bem assim - ao atingirmos uma meta, simplesmente criamos outra, e assim sucessivamente, ad infinitum.

  Mesmo quando sentamos para meditar, criamos um objetivo que “lutamos” para alcançar; vou meditar para me acalmar, ou para dormir melhor, ou para me tornar iluminado, etc. Tudo isso nos afasta do momento presente, do que está se passando conosco agora, seja em relação ao nível físico, mental e/ou emocional. Assim o não lutar se traduz em simplesmente pararmos e observarmos com atenção plena o que está se passando, sem a necessidade de nada mudar e sem metas pré-estabelecidas.

  Vale esclarecer que essa atitude não significa que não fazemos ou produzimos nada em nosso dia a dia, mas o nosso fazer brota do ser, ou seja, atuamos em cada momento, fazendo, produzindo a partir do que aflora naquele momento. Por exemplo, seja em nossa vida profissional ou pessoal, nós vivemos uma vida baseada em lista de afazeres, em metas a atingir. Então, primeiramente, ao trabalharmos para completar as tarefas a fazer, vamos nos dedicar ao que fazemos a cada momento, imersos no momento em que vivemos e atentos à nossa mente, que usualmente já se encontra perdida em pensamentos ou focalizada em outra tarefa a seguir. Segundo, as nossas metas costumam nos prender a um futuro que nos rouba do momento presente – o velho hábito de definir nossa satisfação ou felicidade quando conseguirmos algo ou  atingirmos nosso objetivo (quando terminarmos a faculdade, ou nos casarmos, ou nos aposentarmos, ou perdermos 10 quilos, ou passarmos no vestibular, etc.) Tudo isso pode ou não acontecer, mas estamos nos negando este momento ao vivermos totalmente para o futuro.

  Portanto, vale a pena adotarmos o hábito de fazermos um pequeno teste de presença, todas as vezes que nos lembrarmos. Assim, como a chamada da escola, simplesmente chamemos mentalmente o nosso nome, e se a resposta for “presente”, isto significa que literalmente sentimos nossos pés no chão, focalizamos em nossa respiração, conectamo-nos  com as sensações de nosso corpo, testemunhamos os pensamentos que circulam em nossas mentes ou as emoções que envolvem o nosso ser, e prestamos atenção nas atitudes ou impulsos que dirigem nosso comportamento naquele momento. Aí sim agimos com atenção plena - desta presença brotará o fruto de nossos esforços e nossas ações - com mais prazer, menos ansiedade e a sensação que a vida não está simplesmente nos passando despercebidamente.

Fonte da Imagem: Linus Nylund (Unsplash)