Cultivando a Atitude da Mente de Iniciante
Aplicar a atenção plena em nossas vidas é algo simples, porém relativamente difícil. Acredito que quanto mais velha a pessoa, mais difícil se torna cultivar o hábito da atenção plena. A expressão papagaio velho não aprende a falar, tem um fundo de verdade, apesar de sabemos hoje em dia, graças às descobertas na área de neurociência, que a neuroplasticidade é real e possível em todos nós, independentemente de nossa idade física.
Qual então é o fundo de verdade da expressão acima? O fato é que na maioria das vezes, a medida que envelhecemos, nos apegamos aos caminhos percorridos no decorrer de nossas vidas, às atitudes que internalizamos, aos condicionamentos que não questionamos; enfim, continuamos seguindo a mesma rota que sempre tomamos, sem nos darmos conta do ciclo fechado e repetitivo que criamos. Quando fazemos, pensamos, ou sentimos algo, normalmente reagimos com base nas condições que moldam a realidade daquele momento. Criamos hábitos a partir destas reações que com o decorrer do tempo se instalam em nós como um sapato velho e confortável. No yoga, fala-se de canais ou sulcos que se incorporam em nossas mentes. No princípio nossas reações e atitudes são tomadas baseadas na situação vivenciada em determinado momento, e com o tempo continuamos traçando o mesmo caminho, tomando as mesmas decisões, cultivando as mesmas atitudes, pensando os mesmos pensamentos, agindo da mesma maneira, e algo que era apenas um pequeno traçado mental começa a se canalizar mais e mais profundamente, como a água da chuva caindo morro abaixo – a princípio apenas uma pequena veia se forma no barranco por onde a água passa, mas com o tempo e muitas chuvas, a pequena veia se transforma num canal cada vez maior e mais profundo. Essa canalização mental transforma nossas repetidas ações e reações em nossas atitudes padrões, repetidas automaticamente todas as vezes que vivenciamos determinada situação. Não questionamos, apenas nos voltamos para algo que é confortável e familiar, mesmo que isto não nos sirva mais em nossa vida pessoal, em nossos relacionamentos, em nossa vida profissional, etc.
Assim são automatizados os hábitos. Concordo que por um lado a automatização de determinados hábitos é necessária, senão nossa vida se tornaria muito difícil. Precisamos dirigir o carro sem ter que parar para analisar quando precisamos mudar a marcha, ou escovar os dentes sem termos que analisar o que estamos fazendo; entretanto, a automatização também tem seu lado negativo em relação ao fato que, com raríssimas exceções, somos seres que vivemos completamente desconectados do momento presente. Somos capazes de dirigir a um determinado local, e ao chegarmos ao nosso destino, não nos lembrarmos do percurso porque dirigimos automaticamente e totalmente absortos em nossos pensamentos, não prestando nenhuma atenção ao trajeto ou quaisquer outras coisas que por ventura estivessem acontecendo em nossa volta, a não ser que uma eventualidade, como um grande barulho por exemplo, nos retire de nossa absorção mental.
Suzuki Roshi, um conhecido mestre Zen, falou uma vez: “Na mente do iniciante existem várias opções, mas na mente do expert só existe uma.” Nos tornamos tão presos às nossas ideias pré-concebidas, e cegamente assimiladas no decorrer da vida, que perdemos a possibilidade de enxergar outras opções. Nos apegamos totalmente às nossas opiniões, às nossas experiências e às nossas reações mesmo que tudo isto seja baseado em padrões disfuncionais. Assim vivemos sempre sob um véu que nos priva de uma visão mais clara da realidade. Consequentemente não expandimos nossos horizontes com outras possibilidades - nos tornamos rígidos, sem criatividade, sem espontaneidade, sem abertura para o que surgi em cada momento. Ao observarmos uma criança pequena é fácil perceber que ela não sofre deste mal. Ela é curiosa sobre o mundo ao seu redor, faz milhares de perguntas, fuxica, mexe, experimenta; sempre com abertura da mente e franqueza. Entretanto a medida que cresce, se torna o que infelizmente somos – experts em nossa maneira de ser, porém bitolados, sem espaço dedicado à exploração do que está por trás de nossas reações e atitudes automatizadas.
Assim para cultivarmos a atitude mental do iniciante, temos que viver cada momento com curiosidade, pois toda experiência é única e contém possibilidades únicas. A atitude de mente do iniciante é difícil de ser vivenciada, porém vale a pena ser cultivada lentamente, sem julgamentos. Assim, por exemplo, quando notarmos que estamos perdidos em pensamentos, seja durante nossa meditação formal ou no piloto automático em nossas ações ou interações diárias, façamos o aterramento e respiremos conscientemente algumas vezes. Então poderemos trazer a nossa presença autêntica para aquele momento: se acordarmos para o momento presente durante uma conversa, prestemos atenção à nossa necessidade de interromper a palavra alheia para dizermos algo que julgamos ser a resposta certa, ou o julgamento que fazemos da pessoa com quem interagimos ou a preparação de nossa resposta enquanto ela fala, tudo isso nos mostra que não estamos realmente ouvindo o que ela está nos comunicando. Outras vezes, prestemos atenção às histórias que criamos praticamente em todas as circunstâncias que vivemos, como por exemplo, quando no trabalho alguém faz um comentário que achamos nos seja direcionado e a partir daí criamos todo um cenário mental, sem realmente termos base para tal conclusão. Ou ainda, analisemos e interrompamos aquela voz interior que nos escalda constantemente e sempre nos cobra com os “devemos que” ou “temos que”. E finalmente, admitamos que pouco sabemos e que temos uma imensidão ilimitada para aprender, seguindo o conselho do Jack Kornfield quando ele diz sobre o valor de adotarmos a atitude do “nada sei” e investigarmos com presença, honestidade e humildade o momento presente.
Jon Kabat-Zinn nos convida a assumir esta atitude da mente de iniciante com os nossos familiares, nossos amigos, colegas de trabalho e até com nossos animais de estimação. Ele propõe ainda: “Tente [esta atitude] com seus problemas quando eles surgirem. Tente quando estiver na natureza. Você pode olhar para o céu, as estrelas, as árvores, a água e as pedras, e realmente ver o que está a sua volta como se mostra agora, com uma mente clara e livre? Ou você está enxergando somente através do véu de seus próprios pensamentos e opiniões?”
Confira!
Fonte da Imagem: Zulmaury Saavedra