Plena-Mente

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O Viés da Negatividade

Recentemente, durante uma conversa leve e descontraída, uma colega de trabalho com quem tenho um relacionamento bem positivo, fez um comentário meio sarcástico em minha direção. Apesar do tom de brincadeira, fiquei um tanto chateada com suas palavras e passei o fim de semana remoendo o seu comentário na minha cabeça. Na realidade, não creio que ela tivesse a intenção de  me magoar ou expressar, mesmo que de maneira sútil, um sentimento hostil em relação a mim. O problema estava na minha visão negativa de uma brincadeira mal interpretada. No entanto, em várias outras conversas com ela naquele mesmo dia ou em diversas ocasiões, eu nunca me preocupei com todos os comentários positivos feitos por ela e direcionados a mim.

Você se lembra da última vez que uma pessoa querida se atrasou bastante e não deu notícias, ou quando você sentiu uma dor física forte de repente, ou ainda quando seu chefe disse inesperadamente,  num tom grave, que precisava falar com você com urgência? Normalmente em situações como estas pensamos logo no pior. A pessoa amada se envolveu num acidente, a dor intensa pode ser sinal de uma doença incurável, o chefe vai lhe despedir... Entretanto, normalmente nada de ruim acontece. Por que então desperdiçamos tanto tempo e energia no negativismo, desproporcionalmente à maioria das situações que encaramos diariamente?

O psicólogo Rick Hanson, PhD, explica este fenômeno, conhecido como o viés do negativismo no seu livro O Cérebro de Buda. De acordo com Dr. Hanson, “os seres humanos evoluíram para ficar com medo - já que isso ajudou a manter nossos ancestrais vivos - por isso somos muito vulneráveis ​​a ficar assustados e até intimidados por ameaças, tanto reais quanto imagináveis – ou ‘tigres de papel’.” Assim o nosso sistema nervoso desenvolveu-se ao longo de milhões de anos, evitando perigos e se aproximando de gratificações, de maneira que se tornou essencial para nossa sobrevivência dar prioridade ao negativo - afinal um mínimo perigo pode evitar que passemos os nossos genes às gerações futuras.  Desta forma, é primordial que estejamos sempre alertas aos possíveis perigos do caminho. Entretanto, como ele mesmo diz, hoje em dia, estes perigos podem ser ‘tigres de papel’; situações não ameaçadoras que percebemos como alarmantes e que causam as nossas amígdalas - centro identificador de perigo, gerador de medo e ansiedade - a darem sinais falsos “usando muitos de seus neurônios para procurar más notícias: esta região está preparada para ser negativa na maioria das pessoas. Quando o alarme soa, eventos e experiências negativas são rapidamente armazenadas na memória - em contraste com eventos e experiências positivas, que não são priorizadas da mesma maneira.” Dr. Rick Hanson faz uma analogia interessante, dizendo que a nossa mente tem a natureza do velcro para o negativo e de teflon para o positivo.

É fácil perceber então porque notícias ruins vendem mais - somos atraídos à tais notícias por questões de sobrevivência. Mas aí é que se encontra a chave da libertação deste círculo vicioso. Da mesma maneira que devemos ser cautelosos para nosso próprio bem, precisamos também ter a presença de espírito para percebermos quando estamos cegamente mergulhando num poço escuro e profundo. Quanto mais nos preocupamos e criamos infindáveis histórias, frequentemente falsas, com nossa ruminação mental, mais nos aprofundamos neste poço. É um beco sem saída!

Ao nos conscientizarmos desta nossa capacidade de autoproteção, muitas vezes falsamente alarmante, podemos assumir uma atitude de presença consciente cada vez que começarmos a trilhar este caminho. No momento em que minha colega de trabalho lançou o que percebi como um comentário sarcástico; eu poderia, assumindo uma atitute de consciência plena, rapidamente fazer o aterramento (ver mais sobre a prática do aterramento aqui), respirar fundo e perceber que estou desnecessariamente criando uma situação negativa e dramática, dando-lhe mais importância na minha cabeça do que merece na realidade. Quantos dramas e mal-entendidos poderíamos evitar com esta postura?

Sem a intenção de bater sempre na mesma tecla, reitero, porém, que esta atitude requer prática. Com a prática diária da meditação mindfulness, aos poucos começamos a criar mais espaço em nossas vidas: mais espaço na maneira que nos sentimos durante e após o processo meditativo, mais espaço entre um estímulo qualquer e a resposta a este estímulo, mais espaço para criarmos uma vida melhor para nós e para as pessoas em nossas vidas.

Fonte da Image: Francisco Moreno @franciscomoreno (Unsplash)